Paulo Cordeiro & Vera Estrela
Muitas homenagens estão sendo feitas e divulgadas ao casal Paulo Cordeiro de Andrade Pinto e Vera Estrela de Andrade Pinto, Embaixador e Embaixatriz do Brasil no Líbano, mortos em acidente de carro no sul da Itália, onde passavam férias.
Em Milão, onde o Embaixador serviu como Cônsul-Geral, será celebrada missa de sétimo dia às 16:30 (horário local) da próxima terça-feira, 15 de maio, na Igreja de San Carlo al Corso, na Piazza San Carlo.
O Consulado-Geral do Brasil em Milão está com um livro de condolências aberto até o dia 14, terça-feira, no horário das 11:00 às 14:00 horas.
Entre as homenagens feitas pelos colegas diplomatas, destacamos a feita por João Inácio Padilha, Embaixador do Brasil na República de Chipre e que foi colega de turma no curso do Instituto Rio Branco.
"Por volta de 2013 ou 2014, perguntei ao Paulo qual era o posto que ele gostaria de ter, depois dos seus anos como Subsecretário para Assuntos de África e Oriente Médio. Ele tinha a resposta na ponta da língua: 'Quero ir para uma cidade onde eu possa passear com a Vera Estrela de mãos dadas'.
Sempre chamou a mulher, cujo nome completo é Vera Lúcia Ribeiro Estrela de Andrade Pinto, de Vera Estrela. A primeira vez que ouvi o nome Vera Estrela, pronunciado pelo Paulo, foi em julho de 1977, no Hotel Diplomat, no Setor Hoteleiro Norte, junto ao Eixo Monumental de Brasília. Nós, candidatos aprovados na primeira fase do concurso para a carreira diplomática, estávamos hospedados lá, prontos para enfrentar a segunda fase.
Tenho umas lembranças fortes daqueles dias, e uma delas foi o nascimento de uma criança. Era um começo de noite e muitos de nós estávamos no saguão do hotel, esperando a hora do jantar, trocando ideias sobre o concurso e outros assuntos mais amenos. Paulo estava falando no telefone da recepção. A potência da voz, o sotaque baiano e a risada franca – suas marcas registradas – expunham toda a alegria daquele momento dele. Nós, que estávamos perto, paramos de conversar. Ele repôs o telefone no gancho e exclamou, baiano como sempre, barbudo e grande como sempre: 'Meu filho nasceu!'
Nascia, na Bahia, o primogênito do Paulo. Mas, naquele momento, não foi o nome do filho Pedro que ele pronunciou de imediato. O nome que lhe saiu foi o de Vera Estrela: 'Falei com Vera Estrela! Vera Estrela acabou de me dizer! Nasceu!”
Ficou ecoando aquele nome duplo, Vera-Estrela, e desde então passei a associar a figura dela, Vera Estrela, à mágica da maternidade. Não é para menos: afinal, no momento em que o seu nome estalou nos meus ouvidos, Vera Estrela acabava de ser mãe. É esse nome que o Paulo iria repetir tão insistentemente ao longo de todos os 42 anos da nossa amizade. A cada cinco minutos de qualquer conversa que pudéssemos ter, sobre qualquer assunto e em qualquer circunstância, lá vinha a referência fatal: 'Vera Estrela fez isso, Vera Estrela disse aquilo'.
Outro dia, não faz nem dez dias, estávamos no telefone, ele em Beirute, eu aqui em Nicosia, e ele começou a reclamar – rindo, é claro – da mulher. “Por que, Paulo?” “Porque eu cheguei em casa e Vera Estrela tinha começado uma reforma radical na cozinha, está tudo de pernas pro ar.” Eu disse: “Pois diga à Vera Estrela que eu estou do lado dela nessa briga.” “Vou dizer mesmo”, ele disse.
Tenho certeza que disse. Eles se amavam. O sonho das mãos dadas, em alguma cidade onde isso fosse possível... Ele a protegia, não porque ela precisasse de proteção, mas porque uma das marcas mais notáveis da personalidade dele era a do protetor. Morreram juntos, num acidente de carro, passeando no sul da Itália. Tenho a certeza de que, no momento fatal, ele tentou proteger a sua Vera Estrela. Ele me protegia também, sei muito bem disso.
Algumas coisas que deram certo comigo, deram certo graças ao dedo protetor dele. Isso ficou claro na época em que trabalhamos juntos mais diretamente, eu como embaixador em Cabo Verde, ele como Subsecretário incumbido de administrar a nossa diplomacia africana. Por falar em Cabo Verde, eu me impressionava com a quantidade de elogios espontâneos que ouvia a respeito dele no meu tempo cabo-verdiano.
Acabo de ler no Facebook um depoimento do embaixador Jorge Tolentino, ex-Ministro das Relações Exteriores de Cabo Verde:
'Uma notícia que me entristece profundamente. Paulo Cordeiro! Conhecemo-nos nas lides diplomáticas nas Nações Unidas, em Nova Iorque, nos idos de 90. Amigos desde então. Foi sempre agradável e enriquecedor ver a sua forma, eficaz, discreta, gentil de ser Diplomata. As lides profissionais trouxeram-no a Cabo Verde em diversas ocasiões, nas variadas funções que foi assumindo ao longo dos anos. Ele e a Esposa, Vera, eram inexcedíveis em amabilidade. Adeus, Paulo e Vera.”
E li também o depoimento, também no Facebook, do embaixador Manuel Rosa, que foi contemporâneo meu e do Paulo no Instituto Rio Branco, e amigo nosso desde então:
'Num terrível acidente ontem à tarde, no Sul da Itália, perdi este casal Amigo. A Vera e o Paulo. Uma profunda Amizade que já durava 41 anos. Conhecemos-nos enquanto estudantes do Rio Branco. Marcou logo pelo seu fino trato, seriedade, atenção e dedicação ao que fazia. Fomos progredindo nas respectivas carreiras até chegarmos a Embaixador. Raro os anos em que não nos víamos. Estava colocado em Beirute. O Brasil perde um dos seus melhores diplomatas. Um profundo conhecedor da África, um amigo do meu País e de todos os estudantes cabo-verdianos que passaram pela academia diplomática do Brasil'.
Gostei de ler, também, o que disse a querida Marisa Mendonça, ex-diretora do Instituto Internacional de Língua Portuguesa:
'Conheci o Senhor Embaixador Paulo Cordeiro em Dili, em 2014, na Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo da CPLP. Foi a pessoa que auto se responsabilizou por desbloquear um impasse para que a minha nomeação para Diretora Executiva do IILP, se formalizasse. Em minutos, ele assumiu essa responsabilidade e reuniu o então Presidente de Moçambique e o então Primeiro-ministro da Guiné-Bissau (GB). E, também, em minutos, o assunto estava resolvido. Era necessário que a GB assumisse, formalmente, que não estava em condições de exercer o cargo. Nessa altura, ouvi várias vozes pronunciarem-se no mesmo sentido, dizendo: 'Se o Paulo Cordeiro se meteu no assunto, isto resolve-se já. Ele é um perito nestas questões'. E foi mesmo assim: resolveu-se em minutos. Tenho dele a imagem de uma pessoa muito empenhada e muito respeitada pelos seus colegas. Marcou-me, também, a sua imensa simpatia e a sua verdadeira simplicidade. Ainda nos cruzamos em outras ocasiões e fomo-nos comunicando, por algumas vezes, pós-Dili'.
E eis o que disse o embaixador Murade Murargy, ex-Secretário Executivo da CPLP, sobre a morte da Vera e do Paulo:
'Estou em estado de choque pela perda deste grande Diplomata, de um grande amigo. Perde o Brasil, perde África pela defesa consequente das relações afro brasileiras. Descanse em paz meus caros amigos, Vera e Paulo. Até sempre'.
Paulo Cordeiro. É difícil imaginar um perfil diplomático mais rico em carisma, confiabilidade e integridade, e mais esvaziado de empáfia, esnobismo e vaidades de toda ordem. Conhecia a África bastante bem, fruto de muita convivência com líderes africanos e de muita curiosidade intelectual. Mesmo quando não dominava completamente alguma situação crítica relacionada ao continente africano, ele punha em funcionamento um dos seus melhores dons: a intuição.
Tive contato direto, mais de uma vez, com essa imponderável qualidade dele. Lembro, por exemplo, de uma conversa que tivemos no seu gabinete em Brasília. Lá pelas tantas, ele quis conhecer a minha visão sobre os desdobramentos de uma crise em determinado país africano. Respondi: “Não sei, Paulo, não tenho bola de cristal.” E ele: “Mas finge que tem. O que é que ela está mostrando?” Contei o que se passava nas enevoadas paisagens da minha bola de cristal de mentirinha, e isso o estimulava a tecer hipóteses, puxando um fio daqui, outro dali, costurando por aqui, desfazendo por ali, até chegar a um cenário completo do que iria acontecer no tal país a médio prazo. Acertou em cheio, como se iria comprovar alguns meses depois.
Citei, acima, apenas alguns dos depoimentos voltados para a atuação do Paulo na África. Ele andou também pelo Haiti, pelo Canadá e pela Itália, entre outros países, e teve muita experiência multilateral em Genebra e Nova York. Imagino que sua morte esteja provocando choques não apenas em círculos africanos, mas também nesses outros países. Estava agora no Líbano.
O jornalista Guga Chacra, no seu blog, acaba de publicar um artigo sobre a gestão dele como embaixador em Beirute, intitulado “Paulo Cordeiro, embaixador do Brasil no Líbano, e a morte de um grande diplomata.” Morávamos perto: Vera e Paulo no Líbano, Tude e eu em Chipre. Planejávamos visitas mútuas.
Não aconteceram, não acontecerão.
Restam apenas os meus sentimentos muito sinceros de pesar, que transmito ao Pedro, ao João Mateus e ao Gabriel, filhos de Vera e Paulo, e a todos na família.
Atualização (13.05.2019 - 15:02)
Serão celebradas missas pelo Embaixador Paulo Cordeiro e pela Embaixatriz Vera Estrela em
Brasília: 14 de maio, às 19:00 h, Paróquia de São Camilo, 304 Sul
Salvador: 14 de maio, às 12:15 h, Igreja do Centro Administrativo da Bahia, 3ª Avenida e às 17:00 h na Basílica de Nosso Senhor do Bonfim.
Roma: 16 de maio, às 17:00 h, Igreja Sant'Agnese in Agone, Piazza Navona
Ottawa: 17 de maio, às 19:00 h, Paróquia Senhor Santo Cristo, 1100 Kaneston Street, Gloucester
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